CULTURAS HÍBRIDAS

24 abril 2007

Ars Electronica,


Festival Ars Electronica, na Áustria, discute tendências contemporâneas, mas cede ao convencionalismo

Por José Rocha Filho

“Híbrido: vivendo em paradoxo” foi o tema principal da 26ª edição da Ars Electronica, evento realizado em Linz, na Áustria, de 1º a 6 de setembro. O festival, que tem periodicidade anual e um novo tema a cada edição, aborda os cruzamentos entre arte e tecnologia na sociedade contemporânea e promove palestras, performances, shows de música, mostras de artes plásticas, exibição de videoarte e filmes e uma série de acontecimentos paralelos espalhados pela cidade.

Em 2005, a Ars Elecronica se propôs a examinar as tendências implosivas que as tecnologias digitais impõem ao mundo contemporâneo por meio da sobreposição de diferentes estratos culturais. Essas mesmas tecnologias quebram continuamente fronteiras para reconstruir de maneira ininterrupta as noções de nacional, natural, material, tecnológico e psicológico, no que se reconhece como hibridização.

O diretor do festival, Gerfried Stocker, analisa: “Essas criaturas e criações híbridas, as identidades e culturas, emergem da recombinação de três dos nossos códigos básicos: o númérico, o genético e o atômico. A mídia digital é também um híbrido que nasce da conexão entre arte e tecnologia e acumula diversas possibilidades de expressão e demanda num cruzamento único entre especialização e conhecimento”.

O evento parte do pressuposto de que o termo “híbrido” descreve como nenhum outro o estado altamente paradoxal do mundo contemporâneo. "É uma espécie de assinatura da nossa era”, arremata a co-organizadora da Ars Electronica, Christine Schöpf.

Para uma compreensão de maneira mais aprofundada dos fenômenos da hibridização abordados durante a Ars Electronica, alguns tópicos norteadores foram selecionados: os padrões da hibridização, a hibridização da economia e da política, culturas e identidades híbridas e também criaturas e ecologias híbridas.

Dentro desses tópicos, foi discutido: a) as fusões, os “crossovers” e a inexistência de fronteiras que resultam em novas formas de economia, de coalizões e de alianças políticas; b) a colaboração interdisciplinar entre arte e ciência; c) os amálgamas culturais globais formados pelo “output” da circulação mundial de pessoas e produtos, os sistemas e signos e demais corpos de informação; d) a penetração simbólica e física do corpo humano por máquinas -abrangendo as próteses biônicas e neuro-implantes, os cyborgs e as questões transgênicas; e) as técnicas de sampler, de remix e de colagem, assim como as de “cross-compilation” e recontextualização dos significados, das formas e dos gêneros nas variadas expressões artísticas; e f) as infinitas batalhas de prevenção da contaminação, onde se inclui reformulação midiática dos conflitos religiosos e das catástrofes.

Política e hibridização

O ponto alto do festival foi a série de conferências sobre política e hibridização. Um dos destaques do evento foi o filósofo italiano Carlo Formenti, que tratou da hibridização das formas políticas num cenário pós-democrático. Para Formenti, existe uma estreita relação entre a nova composição das classes sociais, a tecnologia web e a pós-democracia. Formenti diagnostica o surgimento de um “neomedievalismo digital”, no qual a web e as novas tecnologias dariam sustento a uma elite “conectada”, reforçando ainda mais os mecanismos de exclusão. Ele nega veementemente o que se convencionou chamar de "mito neo-anárquico" da internet -e citou Mackenzie Wark, que identifica os hackers com os interesses da classe dominante e o movimento do capital.

Formenti percebe a internet como um ambiente, uma esfera em que relações sociais se integram com relações econômicas, políticas e culturais, a ponto de se unirem. Ele contrastou dois modelos dominantes: a democracia ideológica (representada pela imposição de um modelo específico através da superpotência americana) e o modelo europeu do Estado de Bem-estar social (que exausto, após 50 anos, está reduzido a um simulacro midiático). Para ele, os dois modelos não respondem às demandas atuais das populações.

As causas da falência já são conhecidas: a globalização da produção e dos investimentos; a relação de dependência dos governos locais aos mercados financeiros globais, o que leva à perda dos mecanismos de controle da política econômica; a falência do contrato social entre o capital e trabalho; o crescimento expressivo dos movimentos migratórios, com a conseqüente formação de uma enorme massa populacional de direitos reduzidos (já que os imigrantes não obtêm acesso imediato ao status de cidadão nos países onde vivem) e a fragmentação progressiva de uma sociedade que usa os processos midiáticos para recuperar a sua unidade.

A questão da midiatização da política é um ponto de destaque na análise de Formenti. Ele apresentou a hipótese de que a tecnologia web na verdade causa uma fragmentação excessiva do sistema político e, assim, de maneira alguma, estaria à margem do processo de desmontagem da democracia no qual vivemos. Pelo contrário, ela ajudaria a forjar o cenário ideal de uma pós-democracia. Este cenário seria formado, segundo o filósofo, por “uma relação paradoxal entre um tecido social emergente desprovido de representação e instituições políticas desprovidas de referências”. Se essa hipótese proceder, num sistema pós-democrático o tema da representação de classes será portanto crucial.

O futuro da bioarte

A conferência do curador franco-alemão Jens Hauser, no Ars Electronica, tratou da bioarte. Essa disciplina artística tenta simular matematicamente processos biológicos por um computador com o intuito primordial de assessorar a pesquisa científica. Para Hauser, a bioarte não é somente híbrida, mas também mutante, devido às transformações constantes da arte e do ambiente no qual ela está inserida.

Hauser iniciou sua palestra com as imagens da DNA11, a companhia que cria dispositivos artísticos a partir do DNA de cada cliente. Prosseguiu com a discussão acerca do termo “bioarte”, argumentando que ninguém se refere às obras de Claude Monet como “arte catedral” porque ele retratou catedrais. Segundo Hauser, “nós percebemos a vida cada vez mais como um software/código e cada vez menos como um hardware”. Ele esclarece que a “bioarte está em constante rematerialização não dos seus códigos, mas do seu confronto fenomenológico com a tecnologia”.

Hauser apresentou algumas linhas-mestras da bioarte na atualidade: a) ao invés de descrições gráficas ou simulações, a bioarte trabalha hoje mais com processos de transformação que tenham características performáticas; b) ela está cada vez mais conectada e preocupada com suas relações estruturais com a body art; c) como um meio, a bioarte não pode ser facilmente definida por procedimentos e materiais que são empregados em sua realização. A manipulação dos mecanismos da vida envolve um leque amplo de formatos que dizem respeito tanto ao discurso quanto à técnica. Como disse Peter Weibel, diretor do ZKM (Museu de Arte e Mídia, da Alemanha) “a tarefa de criar vida pode ser abordada em duas direções: pelo hardware e pelo software”. Os artistas usam cada vez mais seus próprios corpos para explorar temas e problemáticas geralmente contectados à biociência. Como, por exemplo, o duo francês Art Orienté Object, que planeja uma transfusão filtrada de sangue de panda a um ser humano.

Hauser defende que o uso de procedimentos biotecnológicos como meio de expressão na bioarte não tem necessariamente uma função descritiva primária. A bioarte é uma arte de transformação contínua que manipula material genético em pequena escala (células, proteínas, genes) e cria displays para possibilitar a participação da audiência nesse processo. Nessa categoria se encaixa o experimento “A dimensão artística de uma rã” (Disembodied Cuisine, 2004). Nele, músculos de rã foram cultivados com biopolímeros para promover seu crescimento extracorpóreo, visando um eventual consumo humano.

Hauser afirmou que “após um período em que a vida foi concebida como um código, uma linguagem ou uma espécie de software imaterial, artistas como Eduardo Kac e Natalie Jeremijenko apresentaram obras que usam materiais orgânicos concretos para criticar o uso fetichista da engenharia genética”. Para ele, no entanto, essa rematerialização não significa um retorno à arte voltada ao objeto: “Muitos artistas atualmente optam por apresentações performáticas que estabelecem inter-relações entre a biotecnologia e suas implicações filosóficas, políticas, éticas e econômicas”. Essa afirmação seria previsível, quando se leva em conta o entrosamento dessa manifestação artística com a indústria agrária, a farmacêutica e bélica e também quando se observa a criação e o desenvolvimento de extensivos bancos de dados de DNA nos países industrializados.

Nesse contexto, entende-se porque o trabalho “Origem” (“Origin”, 1999) do sino-americano Daniel Lee foi escolhido como imagem oficial da mostra. “Origem” é uma série de fotos manipuladas que descrevem a evolução humana. Lee propõe a existência de dez estágios nessa evolução: desde um peixe, passando por répteis e macacos, até chegar a formas humanóides.

Durante a Ars Electronica, Daniel Lee apresentou pessoalmente ao público seu mais recente trabalho, “Colheita” (Harvest, 2004). Para ele, “a ciência permitiu a possibilidade de estender nossas vidas, mas ainda não saciou totalmente a cobiça humana. A substituição de órgãos doentes ou velhos por novos órgãos saudáveis é a chave para a longevidade. Utilizando as técnicas de reprodução de células-tronco e a decodificação do DNA dos animais, nós poderíamos transplantar seus órgãos em seres humanos, o que nos propiciaria um novo e enorme nicho de doadores”. O resultado, lançado na Mostra Nichido de Arte Contemporânea, em Tóquio, em 2004, é desconcertante pela aparência irônica das criaturas híbridas de Lee.


Novo convencionalismo

A seleção de artes visuais apresentada no Ars Electronica enfatizou mais o uso das novas tecnologias per se do que propriamente as implicações sociais desses dispositivos. Possíveis subversões, como era de se esperar em um evento dessa natureza, não foram abordadas. O festival parece ter optado claramente por um elogio à técnica e às novas tecnologias.

Um exemplo do uso e da técnica para suplantar discussões mais aprofundadas é o robô controlado por baratas (“Cockroach controlled mobile robot”, Garnet Herz, 2005), que reduz as questões da robótica e sua direta relação com as linhas de produção a um gadget de gosto duvidoso.

Um outro trabalho muito convencional é o espanhol “Jogos Fronteiriços” (“Bordergames”, Medialab Madrid, 2005), que pretende, usando como interface um videogame, discutir a situação dos imigrantes adolescentes e sua (não) inclusão no mercado de trabalho dos países desenvolvidos. O game contenta-se em deslocar esse tema delicado para um novo ambiente, recusando-se a discutir o papel da interface escolhida nessa situação conflituosa.

Na mostra “ideal de beleza” (“Ideal of beauty”) -da qual fez parte o brasileiro Alceu Baptistão e sua modelo virtual Kaya (2001)- discutiu-se mais a veracidade das criações em 3D do que os padrões vigentes de beleza. No gerador automático de saldos (“Der Bankstatementgenerator”, Hans Bernard, 2005), o visitante obtém saldos de uma conta bancária imaginária, no que mais parece uma tentativa de mera adequação ao sistema bancário do que uma possibilidade de experimento.

Essa inclinação vai exatamente ao encontro do que Peter Noever chama de Novo Biedermeier, quando afirma que “a arte contemporânea em geral fornece o que a economia espera: conceitos controláveis, obediência ao mercado e sucesso a qualquer preço, ao invés de programas inovadores, protestos ou perspectivas menos conformistas. Sejam bem-vindos ao novo convencionalismo”.

José Rocha Filho: É doutor em jornalismo e cinema pela Universidade de Viena (Áustria), mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP e especialista em cinema e mídia pela Universidade de Copenhague (Dinamarca). É pesquisador associado do Departamento de Audiovisual do Instituto de Estudos de Comunicação da Universidade de Viena.

13 abril 2007

Ônibus híbrido - Tuttotrasporti


O ônibus elétrico híbrido da Tuttotrasporti pode circular no modo exclusivamente elétrico, com emissões de poluentes locais nulas. Além disso, possui uma facilidade adicional: as baterias podem ser recarregadas diretamente na rede elétrica, tornando-o um veículo elétrico do tipo "plug-in", ou seja, possibilitando-o utilizar o "combustível" energia elétrica para parte de seu percurso. O veículo elétrico híbrido é silencioso, tem aceleração suave e outros benefícios ambientais característicos do veículo elétrico.
Ônibus híbrido/ RJ